sábado, 30 de agosto de 2008

Surrealizar por aí

O destino desta noite é uma discoteca. Procuramos um canto e iniciamos as conversas do costume. A dada altura perguntei aos rapazes:
- Têm visto a Ivone?
- Tu mais a Ivone… - Disse Orlando – Essa conversa já chateia!
- Vens sempre com a mesma conversa! – Riu-se o Américo – Andas a mijar fora do cesto! Resolve o assunto com a rapariga ou esquece-a!

Olhei para a pista decepcionado. Todos a dançarem da mesma forma, a fazer os mesmos gestos e movimentos. Saltei para a pista com um gesto teatral. Quase em sintonia, saltou o Américo seguido pelo Orlando. Em breve percorríamos o pavimento ora fazendo movimentos totalmente aleatórios e absurdos para se coordenarem logo de seguida em passos sincronizados e elaborados. À nossa volta uns riam-se do absurdo enquanto outros olhavam com curiosidade.
Arregalei os olhos quando aquela actriz famosa, da qual não me recordo agora do nome*, apareceu a meu lado, sorrindo, também ela a surrealizar. Quando o círculo de olhares se tornou demasiado grande, abandonei a pista e dirigi-me ao bar.

A bar tender ao ver-me aproximar preparou-me o cocktail habitual. Sorvi um gole e apreciei a textura áspera da bebida.
- Pensei que toda a gente bebia vodka. – Disse a actriz que havia deslizado para o balcão, junto a mim.
- A vodka faz-me mal. – Respondi.
- O que é isso? – Perguntou com entusiasmo – Parece bastante bom. Também quero um.
- Traga outro Long Island Ice Tea. – Pedi à bar tender.
Encetamos uma breve conversa, enquanto apreciávamos as bebidas. Ela bebeu rapidamente o resto do cocktail quando os seus acompanhantes acenaram, indicando que iam sair do estabelecimento.

Bebia, absorto, outro cocktail quando reparei num olhar, doce e melancólico, pousado em mim. Era Sara. Uma grande amiga. Nada dizia. Olhava-me intensamente nos olhos. Percebi que não queria estar ali. Eu também já não queria estar ali. Paguei os cartões e saímos.

No exterior, coloquei o braço nas suas costas segurando pelo ombro e caminhamos pela rua. Sentámo-nos num banco e ficámos em silêncio a observar as estrelas. Antes de nos despedirmos ainda lhe disse:
- És uma pessoa maravilhosa! Tens que procurar um rapaz que veja todas as tuas qualidades...
- Talvez... - Respondeu encostando a cabeça no meu ombro - Para já, estou bem assim...
* Não pretendo divulgar o nome da pessoa aqui referida.

domingo, 24 de agosto de 2008

When love comes to town

Logo após o jantar saltei para o carro e desci a rua até ao centro para tomar um café na esplanada com a malta. Contando com o tráfego adicional, decidi meter por uma rua secundária e fazer parte do caminho a pé até à zona das esplanadas.

Desloquei-me por entre os transeuntes que passeavam calmamente neste início de noite agradável. Viam-se alguns vendedores de bugigangas, arte, gelados e algodão doce. Também havia artistas de rua. Um dos músicos chamou-me a atenção. Com a sua guitarra tocava um blues incrível. Escutei maravilhado e aplaudi, largando uma nota no chapéu como agradecimento pelo momento musical. Enquanto este agradecia, pedi-lhe para que me deixasse acompanhá-lo e apontei para o saxofone pousado no tripé. Peguei no sax e tentei tirar algumas notas, mas apenas conseguia retirar alguns guinchos.
- Por vezes é um pouco sentimental – disse – Está habituado a um velho como eu e nem sempre é fácil tirar-lhe um som. Sabes tocar guitarra?
- Sei uns acordes.
Trocamos de instrumentos e começou a tocar “When love comes to town” que eu havia tentado momentos antes. Ele era tão bom no sax como na guitarra. Fizemos uma pequena jam e a multidão que depressa se juntou ficou estonteada que o velho começou a cantar.
- Foi um prazer tocar consigo – disse-lhe em tom de agradecimento, e estendi-lhe a guitarra.
- Foste óptimo! Fica com ela.
- Não posso aceitar! – repliquei.
- É um presente. E tu mereceste-a tal como eu a mereci há uns anos. – contou – Quem ma ofereceu disse que pertenceu ao rei, mas não tenho a certeza.Referia-se a B.B. King.
Segui caminho levando a belissima guitarra Gibson LesPaul de 1959.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Primeiro dia de férias

A excitação fez-me saltar da cama muito cedo. Enquanto lavava os dentes abri a janela para deixar entrar o ar fresco da manhã. Na janela do outro lado apareceu a nova vizinha. Sorriu e acenou. Ainda com a escova na mão retribuí o cumprimento. Ela pousou ambas as mãos no peitoril da janela, e com um gesto atirou o longo cabelo louro para trás. Que visão! Ela continuou… Mordiscava o lábio, piscava e revirava os olhos e dava risadinhas… Com a boca a espumar reparei que ela não estava vestida no preciso momento que umas mão surgiram e apalparam as mamas de forma vigorosa. Fechei rapidamente a janela embaraçado e de seguida preparei-me para sair.
Na rua, nem sequer me atrevi a olhar na direcção do apartamento da frente. Apressei-me a saltar para dentro do carro e apertar as mãos com firmeza no volante. O carro é um Golf clássico conversível, um presente do meu pai quando fiz dezoito anos. Aproveitei o Domingo para ir lá a casa de visita e tirá-lo da garagem.
Respirei fundo e sorri ao imaginar a gozar a doçura dos dias de Verão com os amigos. Virei a chave na ignição e apelei aos Santos para que este não me deixasse ficar mal. Pegou à primeira. Desci a rua suavemente. Na minha mente desenhou-se o peito perfeito da vizinha e na cara um sorriso idiota. Sentei-me na esplanada de um bar e liguei aos meus amigos para me acompanharem no café da manhã. Nada! Primeiro dia de férias. Desligaram os telemóveis e deixaram-se dormir até tarde. Tomei o pequeno-almoço sozinho, sentia o frio nas pernas e nos braços e acima de tudo oprimia-me toda aquela humilhação.

Meti-me no carro e decidi regressar. O céu estava nublado e começou chover. Cheguei a casa encharcado.
- Um duche matinal para tirar os calores! – Gritou a loura, entre risadas, quando descia a rua.

domingo, 17 de agosto de 2008

Entrada Zero

Escrevo este diário porque a minha vida é tão excitante como os penedos das encostas da Serra da Estrela. Nada acontece!
De início não sabia bem o que escrever. Poderia começar da forma tradicional: Querido Diário… Mas isso é totalmente idiota. Não se pode falar para um caderno ou computador. Quanto a chamar-lhe “Querido”, nem vou comentar…

Confesso que até um passado recente, há uma hora atrás, não sabia o que era um blog. Á conversa com um dos meus amigos, depois de emborcarmos umas cervejas, falei-lhe da inépcia que é a minha vida. «Se escrevesse um diário – dizia-lhe – nada teria para escrever, além da data». «Boa ideia – alentou ele – Porque não escreves um diário?». Expliquei-lhe que não tinha paciência para a escrita e que não iria comprar um caderno com capa ilustrada com flores e corações». «Não precisas de um caderno florido! Nem sequer de caneta! Escreve um blog!». Fiquei a pensar: Mas que coisa é essa? Blog? Apercebendo-se da minha expressão totalmente idiota, disse-me que um blog é um diário na Internet, é o acrónimo de Web Log, onde as pessoas podem escrever o que quiserem, o maior instrumento ao serviço da liberdade de expressão desde a invenção da imprensa. Fiquei pasmado. «Até que é uma coisa bem pensada! – disse-lhe – Tronco da Web». Remeti-me ao silêncio e bebi outra cerveja, quando me explicou que “log” é o termo inglês para “diário”. Mas continuo a achar que tronco faz mais sentido, e se gostasse de escrever, ainda enviava uma carta a esse inventor dos blogs.

Escrevo apenas com intuito de mostrar aos meus amigos e a todo o mundo que na minha vida não acontece nada.
Nenhum dos factos relatados é ficção. Chamo-me Roque e este é o meu diário!